Como a arquitetura reflete a história de conflitos da Irlanda do Norte

A arquitetura está muitas vezes entrelaçada ao contexto político. Esta conexão profunda é especialmente evidente na Irlanda do Norte, um lugar de história política muito complexa. O Estado surgiu como consequência da guerra em 1921, quando a Irlanda foi dividida em Estado Livre Irlandês Independente (agora a República da Irlanda) e Irlanda do Norte, uma região industrial ainda controlada pela Grã-Bretanha. Desde então, houve conflitos na Irlanda do Norte entre uma população majoritária pró-britânica unionista e uma minoria, embora significativa, comunidade nacionalista irlandesa. A segunda metade do século XX testemunhou uma luta brutal, com mais de três mil pessoas mortas, milhares feridas e imagens angustiantes espalhadas pelo mundo.

A turbulência do conflito da Irlanda do Norte se desenrola no desenvolvimento arquitetônico de Belfast, sua capital. Com trinta anos de guerra entre os anos 1960 e 1990, a arquitetura de Belfast encarnou uma atmosfera de cidade sitiada. Quando surgiu a perspectiva de paz, na década de 1990, nasceu uma arquitetura de esperança, confiança e desafio. Nos dias de hoje, com a Irlanda do Norte firme em um caminho pacífico, Belfast tem sido palco de uma série de propostas arquitetônicas e edifícios públicos de referência projetados por renomados arquitetos. Com a história rica, amarga e emotiva da Irlanda do Norte vista através de múltiplos prismas, muitas vezes conflitantes, o desenvolvimento arquitetônico de Belfast oferece uma narrativa tangível de uma cidade que queimou, ardeu e renasceu das cinzas.

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Após o bombardeio de 1993 da estrada de Shankill em Belfast © User: Pacemaker Press / Wikimedia Commons / CC BY-SA-4.0
A estrada de Shankill, Belfast durante os conflitos © User: Fribbler / Wikimedia Commons / CC BY-SA-4.0

O período da história da Irlanda do Norte, conhecido como "The Troubles", começou nos anos 60, época em que Belfast se tornou uma cidade desanimada, sem investimentos e fortemente militarizada. Seu tecido urbano sofreu com mais de trinta anos de bombardeios contra edifícios comerciais e cívicos, que renderam ao Europa Hotel o título de "o hotel mais bombardeado da Europa". A arquitetura do período, por necessidade, seguiu o mantra "forma segue segurança", com edifícios públicos dominados por sólidas paredes duplas, barreiras de segurança e ausência de janelas.

A Estação de Polícia Donegall Pass em Belfast representou uma cidade sob cerco © User: Ross / Wikimedia Commons / CC BY-SA-4.0
Europa Hotel foi considerado o hotel mais bombardeado da Europa © Flickr user placeni.Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)

Durante este período, a evidência arquitetônica da luta da cidade consistiu em muros e edifícios. Belfast foi esculpida em seções por Muros de Paz destinados a evitar confrontos entre as comunidades nacionalistas pró-irlandesas e pró-britânicas. Muitos destes sobrevivem até hoje, incluindo o muro Shankill / Falls, que já existe há mais tempo que o Muro de Berlim, antes da sua demolição em 1989. As barreiras dominavam a paisagem urbana, assim como um "anel de aço" de segurança que circundava o núcleo comercial para facilitar verificações e buscas. A ideia de um tecido urbano conectado e fluente era estranha a Belfast do final do século XX.

A parede a mais velha da paz em Europa divide a estrada republicana das quedas e a estrada do unionista Shankill © Flickr user nicokaiser. Sob licença BY 2.0
Quase 20 mil metros de paredes dividem comunidades na Irlanda do Norte, atadas com lembretes de conflitos passados © Flickr user dr_john2005. Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)

Ao longo dos anos 90, a Irlanda do Norte caminhou para a paz. O diálogo intensificou-se entre os partidos políticos proeminentes, e entre os governos da Irlanda e da Grã-Bretanha, com fortes contribuições do governo Clinton dos EUA. Os desenvolvimentos arquitetônicos refletiram o crescente otimismo de uma nova era. Um marco notável era a conclusão do Waterfront Hall, em 1996, pelo escritório local Robinson McIllwaine, com sua grande fachada curva de vidro que ocupa um espaço público generoso às margens o rio Lagan. Com a assinatura do Good Friday Agreement em 1998, foi estabelecida a estrutura governamental da Irlanda do Norte que hoje conhecemos, colocando o Norte num caminho democrático que, embora turbulento, segue firme.

O Waterfront Hall, 1996 por Robinson McIllwaine representou o crescente otimismo de uma nova era. Imagem Cortesia de Robinson McIllwaine Architects
O Waterfront Hall fica as margens do Rio Lagan, no centro da cidade de Belfast. © Flickr user infomatique. Licensed under CC BY-SA 2.0

Ao longo da última década, a arquitetura de Belfast descobre as marcas de uma cidade transformada. A confiança renovada no processo de paz tem se traduzido em um investimento pesado nas indústrias de turismo e artes, agregando obras arquitetônicas de arquitetos renomados. O volume de tijolos irregulares do Lyric Theatre, dos vencedores da RIBA Gold Medal, O'Donnell e Tuomey, situa-se num limiar entre o padrão dos subúrbios de tijolo de Belfast e o parque do Rio Lagan. Enquanto isso, o Centro Metropolitano de Artes (MAC) do escritório local Hall McKnight, fica no coração do bairro da moda de Belfast, uma sinfonia de tijolos, vidro e basalto, com uma sólida robustez que remonta aos armazéns do século XIX que antes ocupavam a área.

O Lyric Theatre por O'Donnell & Tuomey Architects © Dennis Gilbert
The MAC in Belfast by Hall McKnight © Flickr user placeni. Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)

Refletindo mais sobre o rico patrimônio industrial de Belfast, o ano de 2012 viu a conclusão do Titanic Centre pela TODD Architects, celebrando o malfadado navio construído nos estaleiros de Belfast. Historicamente o coração industrial da cidade, o Titanic Quarter adjacente passará por um projeto de regeneração de £ 7 bilhões, criando uma série de aglomerações urbanas conectadas por espaços abertos, verdes e públicos. O plano diretor de 185 acres representa, portanto, a capacidade histórica de Belfast em sonhar grande.

O Titanic Center, Belfast © Flickr user placeni. Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)
Titanic: Um quarteirão urbano emergente © Flickr user placeni. Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)

Enquanto, sem dúvida, percorre por um caminho pacífico, Belfast ainda está apenas na metade da sua longa jornada em direção à harmonia, tanto em relação à política quanto à arquitetura. O recente colapso na partilha do governo da Irlanda do Norte e a incerteza sobre os efeitos do Brexit oferecem algumas evidências dos desafios que a Irlanda do Norte enfrenta no caminho para a prosperidade. Em termos de desenvolvimento urbano, essas variáveis assentam-se no contexto da paisagem restritiva e dividida de Belfast, com metros de muralhas de paz e um anel rodoviário que circunda o núcleo comercial da cidade. A comunidade arquitetônica de Belfast está respondendo ao desafio, com organizações baseadas em projetos como PLACE NI e o Forum for Alternative Belfast oferecendo uma série de estratégias urbanas para um ambiente construído, compartilhado e democrático.

O crescimento das artes em Belfast mostrado através do festival anual da noite da cultura © Flickr user placeni. Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)
O crescimento das artes em Belfast mostrado através do festival anual da noite da cultura © Flickr user placeni. Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)

O processo de paz na Irlanda do Norte tem sido uma história de sucesso inspiradora. A violência que uma vez assolou a região foi transferida para os livros, substituída por instituições democráticas que, embora não perfeitas, foram um veículo de mudança. Em conjunto, os escombros, ruínas e barreiras que definiram Belfast foram substituídos por obras arquitetônicas que rivalizam com qualquer cidade da Irlanda ou da Grã-Bretanha.

O crescimento das artes em Belfast mostrado através do festival anual da noite da cultura © Flickr user placeni. Sob licença CC BY-NC-ND 2.0)

À medida que uma nova geração de arquitetos surge, afastada da amargura e do conflito, a arquitetura de Belfast continuará a descrever o espírito determinado e ambicioso de seus cidadãos - monumentos tangíveis ao poder da igualdade, do respeito e da paz.

Niall Patrick Walsh é graduado em arquitetura pela Universidade Queen's Belfast, Irlanda do Norte.

Lyric Theatre Belfast / O'Donnell & Tuomey Architects

32 From the architect. The Lyric Theatre stands on a sloping site at triangular junction between the grid pattern of Belfast's brick street scape and the serpentine parkland of the River Lagan. The architectural design was developed in response to the urban and landscape conditions of the site.

Titanic Belfast / CivicArts & Todd Architects

77 Titanic Belfast will open its doors to the world on 31st March, 2012. The world's largest ever Titanic-themed visitor attraction and Northern Ireland's largest tourism project, Titanic Belfast is the result of a successful collaboration between the Concept Design Architects CivicArts/Eric R Kuhne & Associates and the Lead Consultant/Architect Todd Architects.

Giants Causeway Visitor Centre / Heneghan & Peng Architects

35 Architects Monika Arczynska, Jorge Taravillo Canete, Chris Hillyard, Kathrin Klaus, Carmel Murray, Padhraic Moneley, Catherine Opdebeeck, Helena del Rio Structures Building Services Project Year Photographs From the architect. The project is located at the ridgeline of the North Antrim coast at the gateway to the UNESCO World Heritage Site.

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Sobre este autor
Cita: Walsh, Niall. "Como a arquitetura reflete a história de conflitos da Irlanda do Norte" [How Architecture Tells the Story of Conflict and Peace in Northern Ireland] 24 Mai 2017. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/871801/como-a-arquitetura-reflete-a-historia-de-conflitos-da-irlanda-do-norte> ISSN 0719-8906

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